MANIFESTO SOCIAL Nº 09/2020

AS CONSEQUÊNCIAS DA COVID-19 NA PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DO CACAU E NO FABRICO DE CHOCOLATE

Como cantou SUM ALVARINHO na década de 80!

Cacau é ouro, é prata, nosso diamante também
Ele é que a tudo movimenta quando o contravalor tem
Por isso na apanha, na quebra e no secador também
Não deite fora um bago por isso não convém

Os observadores mais atentos já se devem ter apercebido das desastrosas consequências da COVID-19 na produção e comercialização do cacau, de longe o principal produto de exportação de São Tomé e Príncipe. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2017, o país exportou 3.500 toneladas de cacau, o que, apesar de muito aquém das suas potencialidades representaram aproximadamente 93% das exportações nacionais, correspondentes ao valor de 186.033.000 de dobras, equivalentes a 7.5 milhões de euros. Estas estatísticas afastam categoricamente qualquer dúvida sobre a centralidade do cacau na economia nacional. Esta centralidade fica ainda mais reforçada, se a isto juntarmos o potencial de emprego que este sector tem, sobretudo no segmento da mão de obra com baixa qualificação e, consequentemente, mais pobre, mais vulnerável e, por razões de vária ordem, de menor empregabilidade no contexto do país. É óbvio que o cacau não integra o cardápio dos alimentos de primeira necessidade e o seu consumo está essencialmente localizado, mesmo nas sociedades mais consumistas e evoluídas, na classe média, categoria quase inexistente no nosso país. Daí, salvo escassas toneladas de cacau transformadas por uma indústria nacional ainda balbuciante, o principal destino do cacau nacional é a exportação.

ObservatórioSTP

2020-11-03

Conforme ilustra o gráfico, o principal destino do cacau de São Tomé e Príncipe são os países da União Europeia. Os Países Baixos (Holanda) lideram com 32,6%, seguido de Espanha com 18,3%, França com 17,7%, Bélgica com 15,3% e Portugal com apenas 6,2%, segundo os dados dos principais importadores do cacau produzido em STP no ano 2017, publicados no website do INE-Instituto Nacional de Estatística.

No que se refere às consequências económicas da pandemia o país caminha visivelmente para uma situação muito complicada e a produção e comercialização do cacau pagará, naturalmente, a fatura. Embora em termos de prevenção e combate, os resultados registados até então permitam que se diga que São Tomé e Príncipe está a vencer a COVID-19.

Qual é a relação entre a pandemia e a produção e comercialização do cacau em São Tomé e Príncipe?

A principal aplicação que é dada ao cacau exportado por São Tomé e Príncipe é o fabrico de chocolate gourmet na Europa Ocidental. Com o grande impacto da pandemia, verificou-se uma redução drástica no consumo de chocolate no mercado internacional , com consequência óbvia sobre a importação da matéria-prima.
A diminuição drástica da procura global do cacau não tem permitido aos principais exportadores de cacau de São Tomé e Príncipe escoarem o cacau que têm armazenado no país e em armazéns localizados na Europa tornando economicamente inviável a compra de mais cacau em goma aos pequenos produtores locais. Por conseguinte, como os pequenos agricultores nacionais não dispõem de estruturas para armazenar cacau seco, nem de capacidade técnica e financeira para gerir eventuais estoques, verifica-se um corte drástico nos seus rendimentos, com fortes repercussões no quotidiano familiar. Não podendo vender cacau em goma, nem secar o cacau colhido, os pequenos agricultores não terão igualmente condições financeiras, nem motivação para continuar os necessários amanhos agrícolas e fazer a colheita do cacau maduro.

Pode, assim, concluir-se que, tanto o cacau maduro não colhido, como o cacau colhido e não vendido, estragar-se-ão, causando este impedimento um prejuízo muito significativo aos pequenos agricultores e, quiçá, à própria produção futura.

Por tudo isto o Observatório Transparência STP coloca as seguintes questões:

1. Que tipo de apoio financeiro já beneficiaram os pequenos agricultores, os exportadores de cacau e as fábricas de chocolate, no âmbito do combate às consequências económicas da COVID-19?

2. O apoio disponibilizado pelo Governo no âmbito da COVID 19, nos meses de Março, Abril e Maio, não deveriam ter contemplado, concretamente, os pequenos agricultores, os exportadores de cacau e as fábricas de chocolate do país?

3. À semelhança do apoio financeiro concedido aos trabalhadores de setores de atividade mais afetados pela pandemia (funcionários públicos, forças de defesa e segurança, hotéis, bares e restaurantes, motoqueiros e palaiês, etc.), não seria de considerar o mesmo tipo de apoio aos trabalhadores agrícolas, nomeadamente aos produtores, transformadores e exportadores do cacau?

Tratando-se de um setor vital para a economia nacional, o Observatório Transparência STP entende que o Estado deveria equacionar um apoio aos pequenos agricultores e exportadores de cacau no contexto da pandemia, quer pela sua centralidade económica, quer pelo seu potencial de ocupação de mão de obra.

Para além de ser até há bem pouco tempo a “vaca leiteira” da economia de São Tomé e Príncipe, o cacau representa hoje o único produto agrícola nacional que é transformado no país e exportado como produto acabado de elevada qualidade, que, graças à sua exclusividade, consegue competir em pequenos nichos do mercado internacional de chocolate.

Existem no país três fábricas de chocolate, duas na ilha de São Tomé (Cláudio Corallo e Diogo Vaz) e uma na ilha do Príncipe (Paciência, integrado no projeto de Agroturismo da empresa HBD).
A fábrica de Cláudio Corallo, tem estado em agonia, por falta de apoio institucional do Governo, para providenciar sistemas de fiscalização e de segurança aeroportuária de acordo com as exigências internacionais, para exportação de chocolate por via aérea diretamente a partir de São Tomé e Príncipe. Com a recusa das restantes transportadoras que servem São Tomé e Príncipe e sem apoio do Governo, Claudio Corallo procurou solução junto da companhia aérea angolana TAAG, que aceitou disponibilizar as condições para transportar o chocolate de São Tomé até Luanda, onde os chocolates Corallo encontram as facilidades aeroportuárias necessárias, mas que aumentam os custos de transação e diminuem a competitividade ao produto. Apesar do significativo agravamento dos custos com o transporte e armazenamento, até fevereiro, esta era a única alternativa encontrada para escoamento do chocolate de São Tomé e Príncipe. No entanto, com a suspensão da ligação aérea entre São Tomé e Luanda, desde fevereiro que a fábrica Corallo está impossibilitada de satisfazer inúmeras encomendas de chocolate oriundas do mundo inteiro.
As três fábricas de chocolate atualmente existentes no país encontram-se tecnicamente falidas pelos motivos acabados de descrever. Contudo, segundo a edição do jornal Tela Non de 23/10/2020, o Governo angariou fundos do Banco Africano de Desenvolvimento, através do projeto PRIASA II, na ordem de 340 mil euros, para financiar a construção da fábrica de chocolate biológico da CECAB - Cooperativa de Exportação do Cacau Biológico de São Tomé e Príncipe.

Será que São Tomé e Príncipe necessita de mais uma fábrica de chocolate?

De acordo com o mesmo jornal, citando o Diretor Executivo da CECAB, a fábrica de chocolate de cariz filantrópico, que está a ser construída na Roça Canavial, no distrito de Lobata, será uma parceira do Estado são-tomense no combate à pobreza.
Tratar-se-á de uma atribuição direta de fundos públicos a uma cooperativa de produção de cacau biológico, sem concurso, o que pode indiciar violação das normas em vigor e consubstanciar crimes como favorecimento, prevaricação, etc. etc. (Fora feito concurso para atribuição da empreitada de construção, mas não para atribuição dos fundos ao beneficiário CECAB).
A racionalidade da decisão de atribuição de fundos ao beneficiário não é transparente, na medida em que se trata de um sector onde a presença privada está claramente evidenciada e esta intervenção do Estado, concedendo fundo em condições não transparentes, vem distorcer e falsear o mercado e a concorrência, ao mesmo tempo que introduz um elemento de discriminação entre os operadores.

O que é questionado não é a intervenção do Estado no mercado de cacau. Em quase todos as latitudes do mundo, as empresas exportadoras de matéria-prima ou de produto acabado recebem apoio financeiro e/ou institucional dos governos dos respetivos países para incentivar a exportação, aumentar a produção, criar emprego, fazer crescer a economia, proporcionar desenvolvimento económico e elevar o nível de vida dos cidadãos em geral. Mas tudo isso numa base de transparência e respeito pelas regras do mercado, bem como pelo princípio e igualdade de todos perante a administração, igualdade de tratamento e não discriminação. Em São Tomé e Príncipe, teimamos em fazer a coisa andar em sentido contrário.

O Observatório Transparência STP exorta tanto ao Governo como às instituições financiadoras para a necessidade de promover maior transparência e equidade no processo de atribuição de financiamento num setor vital da economia do país. Para que seja afastada qualquer possibilidade de suspeição ou de eventuais conflitos de interesse de entidades e responsáveis públicos envolvidos, uma vez que é de conhecimento de todos que o atual Diretor da CECAB, António Dias, é militante do partido responsável pela pasta da Agricultura na atual coligação governativa, tendo sido mesmo no passado Ministro da Agricultura em representação do partido PCD num governo de coligação.

O Observatório Transparência STP reitera que o seu papel enquanto iniciativa da sociedade civil é o de questionar, alertar e contribuir para a defesa da legalidade, dos direitos fundamentais dos cidadãos, da transparência e melhor comunicação por parte dos decisores públicos, cabendo a estes, no âmbito das suas responsabilidades e funções tomar as decisões com vista a salvaguarda do interesse público e no estrito cumprimento das leis em vigor e das regras da democracia que fundamentam o nosso estado.

São Tomé, 2 de Novembro de 2020.

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